<$BlogRSDUrl$>

Vareta Funda

O blog dos orizicultores do Concelho de Manteigas


domingo, agosto 26, 2007


O vestidinho era de poliester barato mas havia um ondear agradável das suas costas enquanto ele a agarrava no slow. "Oh raconte moi", sussurrava a Chantal Goya, "l'amour, l'amour comme un poème". Sussurrava isto como podia sussurrar louvores ao anti-Cristo: nenhum dos dois percebia uma palavra de francês. O que interessava era o slow yé-yé e as palmas das mãos dele bem abertas sobre as costas dela, debaixo do vestidinho de poliester barato. O meu avô dizia, da minha avó, que gostava de dançar com ela porque "quem a agarrava era como quem agarrava um braçado de lenha: era maciça". Mas ele não conheceu o meu avô - aliás, não sei se já perceberam mas ele não existe. O que é que foi?! Nunca apanharam um narrador que se entretém a foder-vos o juízo?! Já ia sendo tempo! Alminhas!... Sim!, quem está a ouvir a Chantal Goya sou eu!; e depois?! Antes isso que a Nana Mouskouri!

Ele escondia a cabeça no pescoço dela enquanto dançavam (e para que depois não fiquem tristes, ficam já a saber que ela também não existe). Cheirava a sabonete O Meu Banho, das Fábricas Confiança, em Braga. Mas não era tanto pelo cheiro que ele pocurava abrigo naquele pescoço alto e delgado - era uma forma de evitar os óculos, os óculos grandes e de mau gosto, que lhe faziam lembrar a Nana Mouskouri (embrulha! ora é para verem com quantos paus se arredonda a jangada de uma merda de um texto!).

Acabado o slow, voltaram à mesa e aos pais dela. Ela beberricava capilé, já morno e sem gosto, e ele fingia que a cerveja lhe sabia bem. Ela cruzou as pernas e ele reparou, pela primeira vez naquela noite, que ela calçara uns sapatos brancos de meio salto abertos à frente - abertos o suficiente para se verem três quartos de unha dos dedos grandes: unhas feias, dedos feios. Assim como assim, nunca gostara muito de pés. Havia uma conversa qualquer à volta dele, na qual participava instintivamente com sorrisos ou esgares ridículos. A sua cabeça estava ali, mas condicionada: saltando dos pés medonhos para o pulso fino e delicado, ainda que ossudo; do pescoço para o colo do peito que parecia mais descolorado do que branco ou róseo, dos lábios finos para... para os óculos. Ela mexia nervosamente na franja e ajeitava o vestidinho sobe os joelhos - e o pai dela batia nas costas dele, mostrando-lhe que conviria olhar com maior discrição. Mais uns segundos de silêncio incómodo - a que se juntava a pressão dolorosa da cadeira empalhada sobre o pequeno hemorroidal que o atormentava há uns dias - levaram-no a pedi-la de novo para dançar. Ainda Chantal Goya (sim, o cd é grande... tem 20 músicas e foi barato... comprei-o usado e estou bem contente com ele), exortando-o: "Sois gentil". Se algum deles fosse mais esperto, veria o quão apropriada era a música (e que eu não sou parvo nenhum, ao escolhê-la) quando Chantal pedia "ne me regardes pas comme ça". Ela gostava dele, claro; mas ainda gostava um bocadinho mais da opinião que os outros tinham dela. Ele, por seu lado, confundia gentileza com ousadia e deixava que o seu mindinho direito percebesse o contorno do elástico da roupa interior dela - elástico forte, refeguinho de carne a saltar por fora, veias e vasos a queixarem-se do aperto, replicando o grito que outras veias dele, mais abaixo, também soltavam. Foi, assim, num clima de má circulação sanguínea que ele falou. "Não tenho terras mas tenho um oficio. Queres casar?". Como nenhum deles existe, a resposta não interessa.

sábado, agosto 25, 2007


Ele há uma série de coisas a revoltear na minha cabeça (grande e esquisita, com espaço de sobra para correntes de ar...), mas nenhuma delas é uma linha, nenhuma delas um carreiro de palavras em que eu possa pegar e colar aqui, devagarinho e artesanalmente.
São quase duas horas na tarde de Sábado - e, se não há Sábado sem sol, este bem que o prova, com calor demais na rua e uma inércia alimentada a ar condicionado que, contra os meus princípios, me faz estar em casa. Mas talvez não por muito tempo, que lá fora há um mundo inteiro. Só que cá dentro também - e é mais fresquinho... A escolha depende de quê? Depende de tão pouco. E passa sempre por esta noção de que há "outros" - outros, para fazer seja o que for. Partilhar tempo, ficar calado, vê-los passar, conversar... ou foder. Posso sempre sair de casa, abordar uma japoninha e dizer-lhe: "Queres ver?... Tenho um caralho tipo chave-universal: serve para todas as porcas..." Talvez seja boa ideia... logo vos digo como é que correu.

sábado, agosto 18, 2007


O meu Agosto não tem praias com areia branca nem o cheiro a preguiça (uma espécie de suor misturado com carvão e cerveja morta) que se evola das férias. O meu Agosto não tem gajas em bikini nem barrigudos em manga cava. Não há famílias em sesta no pinhal. Não há carros de bombeiros a acelerar para combater fogos florestais. O meu Agosto, do Verão, só tem um calor pesado e inclemente - e um coro frenético de cigarras que se ouve por todo o lado. Que é como quem diz: o meu Agosto é bonito, como o vosso, mas de maneira diferente.

Todas as cidades que trabalham ficam lindas em Agosto. Há um suspiro de alívio físico que parte das ruas, dos prédios, de todo o lado - e há um espanto renovado por isso, como se não se passasse o mesmo todos os anos.

Ontem caminhei quatro horas, entre Tamachi e Gotanda, com vários desvios pelo meio (dá sempre um ar chique, isto de meter referências geográficas pelo meio que fazem pouco sentido para quem lê...). Caminhei ao lado de alguém que também não tinha pressa. Nesta cidade, neste micro-mundo, caminhar parece quase uma transgressão - e será, porventura; é, pelo menos, a melhor forma de testemunhar que há cantos estranhos onde patos, morcegos, insectos e carpas ainda resistem porque querem resistir. Não são jardins nem laguinhos; são becos que dão para canais acimentados, cursos de água que ainda não se conseguiram extinguir. Caminhámos depois de uma exposição de um senhor que passou largos meses a fotografar cavalos e que nos disse que "os cavalos o tinham ensinado uma nova concepção, mais larga, do que é a vida" - descontado o pretensiosimo de quem clama ter aprendido tal coisa, é uma declaração sábia na humildade: nós, enquanto espécie, o mais que conseguimos ensinar às outras limita-se a "senta", "rola" ou "dá a patinha"...

O meu Agosto é bonito. Não há sal nos lábios nem areia nos sítios menos próprios - há molho de soja num pratinho e tremores de terra (um mesmo agora, enquanto escrevo), e um conforto grande e miudinho que existe porque quer existir.

terça-feira, agosto 07, 2007

A letargia

Vareta sentou-se à secretária. Apetecia-lhe cofiar o cabelo mas lembrou-se que o tinha besuntado com uma espécie de cera ou fibra ou o raio que o partisse. Então não o cofiou e começou antes a roçar as unhas dos polegares uma na outra. “As tuas mãos nunca param de todo, pois não?”, perguntaram-lhe uma vez. “Pareces um ceguinho a tentar perceber o mundo pelo tacto.” Estranha mania, a de as pessoas lhe dizerem coisas estranhas. “Tu falas como o meu pai mija: pequenos esguichos que lá conseguem vencer a oposição de uma grande próstata.” “As tuas mãos são macias de mais.” “Pareces quase sempre sereno e feliz... como um drogado.” “Se não fosses quase bonito, eras um feio com mais piada.”

Sentado à secretária, as frases iam-lhe passando à frente, na distância, como faixas promocionais dos Móveis “A Feira” puxadas por uma avioneta roufenha sobre o bulício da Nazaré. Ou da Praia da Vieira, era igual. Por causa das frases tomou consciência das suas próprias mãos e tentou deixá-las quietas, absolutamente quietas – apenas para ver que realmente os seus dedos pareciam ter vida própria. E uma vida boa, tranquila: nenhum movimento era espasmódico ou repentino, não; tudo nos seus dedos fluía como nunca nada fluiria assim nas suas cordas vocais.

Se perguntado, Vareta juraria a pés juntos que parte do seu cérebro (ou a totalidade) estava nos seus dedos. Tantas e tantas vezes que se convencera que eram “eles” que pensavam, bem melhor e mais depressa que a cabeça de forma bizarra e pouco cabelo. Gostava de mãos – até das suas, “macias”, pequenas, anafadas, dedos curtos e unhas a que anos e anos de autofagia tiravam brilho. Como de costume, não sabia falar sobre o assunto. Quando tentava, as coisas corriam mal: “Já viste este dedo? Este dedo escreve, dá-te prazer, traça o contorno da tua cara, dos teus lábios, coça-me onde é preciso, ensaboa-me de manhã, penteia-me, limpa-me o cu...” Vareta aprendera a custo que as pessoas não estão à vontade com os seus próprios dedos nem com o resto dos seus corpos...

Vareta sentou-se à secretária. Apetecia-lhe... nada. Bastava-lhe mexer os dedos – na impossibilidade de cofiar o cabelo – para se sentir instalado na sua forma, para saber que estava a ser aquilo que julgava que os outros queriam ver.

sexta-feira, agosto 03, 2007

E escreve-se e escreve-se e escreve-se como se a linguagem servisse para alguma coisa. Como se alguma “coisa” pudesse ser dita. É uma insuficiência inevitável, uma impossibilidade fascinante. E escreve-se e escreve-se e escreve-se – como se alguma coisa ficasse disso, como se não fossem tudo partes, partículas, partidas e ilusões quanto à nossa habilidade de “transmitir”.

E eu quero escrever como se nada. Aliás, eu nem quero escrever. Escrevo. Pronto. E é para mim, num gesto perfeitamente ridículo – como quem, masturbando-se, ejaculasse para um lenço e corresse a mostrá-lo. Quem diz que escreve para os outros, mente – a si mesmo, também. Nem para “os outros” nem para um ou uma. Transforma-se o amador na coisa amada. Cada um escreve para cada um – pelo menos se for qualquer coisa perto de uma verdade.

Escrevo. Nunca me interessou para quê.

quarta-feira, agosto 01, 2007

Brevíssima achega


Foram rios de disparates que se escreveram sobre esse "facínora racista" do Tintim, que "não gostava dos escarumbas nem com molho de tomate". Uns porque sim, porque o Hergé era um paneleiro evergonhadiço, racista e neo-nazi que ainda devia ser queimado em efígie em ajuntamentos diversos; outros porque não, porque os enconados dos ingleses são sempre a mesma merda, fascizóides do caralho, antes se preocupassem com a merda que estão a fazer no Iraque em vez de se ralarem com a porra de uns desenhos.

A minha achega cá fica: não faz sentido nenhum deixar o Tintim "para adultos". É estúpido, profundamente estúpido. Mas, a seguir-se esse padrão, espero que a cadeia de livrarias inglesa tenha a ombridade de fazer o mesmo com alguns dos livros da Enid Blyton...

This page is powered by Blogger. Isn't yours?